Uma juventude sequelada
Se hoje acabassem as motocicletas, sobrariam leitos hospitalares em todo o país. Muitos comemoram a emblemática substituição dos cavalos pelas motocicletas, na zona rural, como se essa fosse prova da evolução econômica e social que experimentamos na última década. Nas cidades desprovidas de um sistema de transporte público eficiente, as motocicletas ocupam cada vez mais espaço.
A quantidade delas nas ruas, aliada à falta de preparo dos condutores e ao desrespeito dos motoristas, faz os números de acidentes crescerem vertiginosamente a cada ano. Dados indicam que, por quilometro viajado, o número de mortes em motocicletas é 27 vezes superior ao número de carros. Quando consideramos que, para cada morto, outros 25 sobrevivem com lesões graves e incapacitantes, a imagem do desastre é ainda mais forte. Por mais assustador que o número possa parecer, ele está bem dentro da realidade.
As tendências da última década no trânsito brasileiro indicam redução significativa na mortalidade de pedestres, manutenção das taxas entre ocupantes de automóveis, discreto incremento nas mortes de ciclistas e expressivo aumento na letalidade entre motociclistas. A motocicleta está fazendo de algumas cidades brasileiras a paisagem que se tem em cidades que saíram de guerra civil, em que a mutilação e a invalidez se tornaram parte do cotidiano.
Graças aos registros do sistema de informações hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), é possível estimar com considerável precisão o número de mortos por acidentes de trânsito e, mais especificamente, de motocicletas. Já as vítimas não fatais são de difícil mensuração. A subnotificação aqui é gigantesca, mas se aceitarmos os números oficiais de feridos internados, teremos aproximadamente para cada um morto, cerca de 20 a 25 motociclistas sobreviventes no Brasil.
É preciso uma atitude conjunta das três esferas de governos e de organizações da sociedade civil para montar um plano de contingência para enfrentamento desse grave problema. Aqui na Bahia, a Secretaria Estadual da Saúde tem promovido reuniões entre diferentes órgãos e secretarias estaduais e municipais, cujas deliberações irão compor o plano estadual de combate aos acidentes de moto.
Algumas sugestões incluem o registro dos acidentes de trânsito como doenças de notificação compulsória; o georeferenciamento dos acidentes terrestres (atropelos) e de moto; ampliação e descentralização da lei seca para as áreas com histórico de maiores acidentes, além de ações educativas nas escolas e grandes empresas.
Somente com a decisão política dos governos e o apoio da sociedade conseguiremos livrar a nossa juventude dessa chaga que a acomete.
Fábio Vilas-Boas
Secretário da Saúde do Estado da Bahia
(publicado no Jornal A Tarde em 18 de setembro de 2017)